É a forma simples que, mais tarde, deu origem à novela. Como uma maneira de estabelecer uma pergunta, o caso tenta fornecer as pistas para uma resposta.
Segundo André Jolles, “no Mito, o universo dá-se a conhecer em seus fenômenos por pergunta e resposta, e torna-se a criação a partir da sua natureza. Na Adivinha, a pergunta e a resposta verificam e proclamam a pertença a uma iniciação. No Caso, a forma resulta de um padrão usado para avaliar ações, mas a questão contida em sua realização influi sobre essa norma”.
O caso indica a ação humana, susceptível de avaliação e de ponderação por parte de quem julga, cumprindo a sua função de relatar os acontecimentos, imputando-lhes as conseqüências às causas provocadas.
Um caso para pensar:
Vetãlapañcavimsãtika[1]
Somadeva[2]
Um brâmane tem uma bela filha. Mal saíra ela da infância, apresentam-se três pretendentes à sua mão, todos iguais em nascimento e perfeição. Cada um deles preferia morrer a vê-la casada com qualquer dos rivais. Quanto a seu pai, teme ofender os outros dois pretendentes se a der a um deles; e a filha permanece solteira por algum tempo.
De súbito, a donzela cai doente e morre. É incinerada e o primeiro pretendente constrói sobre suas cinzas uma cabana onde passa a morar. O segundo reúne-lhe os ossos e leva-os ao Ganges, o rio Sagrado. O terceiro parte em peregrinação pelo mundo todo.
Certa tarde, chega à casa de um brâmane. À mesa está uma criança mal comportada que chora. A mãe enfurece-se e joga a criança ao fogo, onde ela arde sob os olhares apavorados do peregrino. O pai tranqüiliza-o, vai buscar um livro de magia, declama uma fórmula de encantamento e a criança regressa à mesa como antes.
O terceiro pretendente rouba o livro durante a noite, volta ao seu país e ressuscita a donzela. Tendo passado pelo fogo, ela está ainda mais bela e pura.
Os três rivais voltam a disputá-la mas, entre esta disputa e a anterior, quando todos os três eram iguais, ocorreu uma transformação, uma ação: cada um deles realizou, segundo determinada norma, o que acreditava dever fazer como amante e como brâmane. Tem-se que decidir, portanto, quem deva casar com a donzela.
“E agora, rei, - diz o Vetãla – resolve este debate.” Que deve fazer o rei? Pesa todos os atos, interpreta-os.
Aquele que devolveu a jovem à vida é seu pai; aquele que lhe levou os ossos até ao Ganges fez o que a tradição indiana manda que os filhos façam aos pais, portanto, é seu filho; enfim, aquele que permaneceu junto dela, que repousou a seu lado, que fielmente a serviu e manteve sua casa junto dela, esse é o seu esposo.
O rei falou, o cadáver retorna à árvore, tudo pode recomeçar – um novo Caso.
[1] De origem indiana. Faz parte do Kathãsaritsãgara, que significa oceano torrencial das narrativas. Trata-se de um exemplo de Caso, publicado em Formas simples, de André Jolles, p. 158-159.
[2] Na segunda metade do século XI, reuniu grande número de relatos, com um novo arranjo e intitulou Kathãsaritsãgara.
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